Recuperação é lenta e ficou mais frágil, alerta economista

    [Fonte: Valor]

    Mesmo tendo crescido em média apenas 0,1% nos últimos três trimestres, na comparação com os trimestres imediatamente anteriores, a economia brasileira não atravessa um quadro de estagnação. A avaliação é de Margarida Gutierrez, professora do Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para quem, no entanto, os dados do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre deste ano não podem ser comemorados.

    “Estamos em uma recuperação lentíssima que se tornou mais frágil ainda”, disse Margarida, em entrevista ao Valor. Integrante do grupo de conjuntura econômica do Instituto de Economia da UFRJ, ela é uma das economistas que veem características de uma “recessão de balanço” – que ocorre após ciclos de endividamento de famílias e empresas – na crise dos anos de 2015 e 2016.

    Hoje, o comprometimento de renda dos consumidores com empréstimos e financiamentos está um pouco menor, em 20%, mas o custo do crédito continua alto, o que tem impacto negativo sobre a demanda, avalia.

    Não é possível esperar que a atividade ganhe muito fôlego no segundo semestre, mesmo passados os efeitos da greve dos caminhoneiros, afirma Margarida. “Vamos entrar em uma etapa decisiva das eleições, com um ambiente internacional conturbado”. Diante desse cenário, 0,8% a 1% seria um “número razoável” para o crescimento a ser registrado neste ano. Para 2019, todas as condições estão dadas para o país crescer mais do que 3%, mas tudo vai depender do resultado do pleito presidencial, de acordo com a professora, que não descarta uma nova recessão a partir do próximo ano.

    Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

    Valor: Como a senhora avalia o resultado do PIB do segundo trimestre?

    Margarida Gutierrez: Ele mostra que a economia não ganhou fôlego. O PIB cresceu uma “coisinha de nada” em relação ao primeiro trimestre deste ano, o que é uma notícia boa. A notícia ruim é que perdeu a aceleração que vinha desde o terceiro trimestre do ano passado, e vários fatores respondem por isso. Todo mundo está falando da greve dos caminhoneiros, mas o ambiente macro não é nada bom. Temos um nível de incerteza grande na economia. Os juros futuros estão crescendo muito. A taxa para três anos está sendo projetada em 11% ao ano, e a de um ano, em 8%. Esses indicadores são importantes porque antecedem a atividade, espelham o risco que há em relação à economia e são balizadores do custo do crédito. Estamos com a taxa Selic mais baixa da história, mas o custo do crédito está subindo.

    Valor: Este seria um dos motivos para o desempenho fraco do consumo das famílias, que cresceu apenas 0,1% no segundo trimestre?

    Margarida: Há outros motivos. Temos um mercado de trabalho muito ruim, o que tira fôlego do consumo. Tivemos aumento da inflação nos últimos dois meses com o desabastecimento provocado pela greve, o que reduziu os salários reais. Além disso, o comprometimento mensal de renda das famílias com o sistema financeiro está em torno de 20%; menor do que há seis meses, quando estava em 23%, mas ainda alto para padrões internacionais. A queda do comprometimento sugeria que as famílias poderiam voltar a se endividar, mas as condições macro não permitem. O consumidor que tem emprego está com medo de perdê-lo, a taxa de câmbio subiu, existe incerteza em relação às eleições. Tudo isso faz com que o consumidor não contrate crédito.

    Valor: No segundo trimestre, o setor externo “tirou” 0,5 ponto do PIB. A alta do dólar tem efeito mais negativo do que positivo sobre a atividade?

    Margarida: Sim. O exportador sabe que a taxa de câmbio está fora do lugar e não vai se sentir encorajado a exportar. Estamos em um momento muito difícil de incertezas, que também não estimula as exportações. As empresas que têm dívida em moeda internacional e não fizeram hedge para se proteger terão deterioração em seus balanços, com piora das condições financeiras. No segundo trimestre, o comércio exterior foi prejudicado pela greve dos caminhoneiros, mas de qualquer forma o ambiente internacional mudou por causa das medidas protecionistas do governo Donald Trump. Daqui para frente essa veia de crescimento que usávamos eventualmente dará menos ajuda.

    Valor: Os investimentos ensaiaram uma reação no primeiro trimestre, que não vingou, e voltaram a recuar com força no segundo trimestre. Em que medida a longa trajetória negativa da formação bruta de capital fixo [FBCF] nos últimos anos afeta o crescimento daqui em diante?

    Margarida: Isso é o pior da história, porque o investimento é fundamental pra aumentar a capacidade produtiva da economia. O crescimento de médio e longo prazo está seriamente danificado pela queda enorme dos investimentos nos últimos quatro anos.

    Valor: Nos últimos três trimestres, o crescimento médio foi de apenas 0,1% na comparação com ajuste sazonal. Estamos diante de um quadro de estagnação da economia brasileira?

    Margarida: Não diria de estagnação, porque o PIB e seus principais setores ainda mostraram crescimento em relação ao segundo trimestre de 2017. Mas estamos em uma recuperação lentíssima que se tornou mais frágil ainda.

    Valor: Qual deve ser o novo teto para projeções de crescimento deste ano?

    Margarida: Pensar em algo em torno de 0,8% a 1% é um número razoável. Até entendo economistas colocando impacto positivo de um “efeito rebote” da greve em suas estimativas para o terceiro trimestre, mas há outros fatores puxando para baixo. Vamos entrar em uma etapa decisiva das eleições, com um ambiente internacional conturbado. Tudo isso trava decisões de gastos, principalmente de investimentos. Esse cenário vai permanecer até que o quadro eleitoral esteja mais bem definido.

    Valor: A economia brasileira frustrou expectativas em 2017 e 2018. É possível esperar um cenário mais otimista para 2019?

    Margarida: Nós, do grupo de conjuntura da UFRJ, não fizemos estimativas para o próximo ano. Ou o crescimento vai ser maior do que o mercado está esperando no ano que vem [o consenso do Boletim Focus prevê alta de 2,5%], ou próximo de zero, podendo até ser negativo.

    Valor: Existe o risco de entrarmos novamente em recessão?

    Margarida: Tudo pode acontecer no ano que vem. Temos todas as condições para crescer mais do que 3% em 2018. Elevada ociosidade na economia, Selic baixa, inflação comportada… Mas temos um enorme problema fiscal pela frente.

    Valor: O que o novo governo precisa fazer para o país voltar a crescer?

    Margarida: Mesmo que o novo presidente não faça um ajuste fiscal no curto prazo, se for sinalizado que reforma da Previdência, mudança na regra de reajuste do salário mínimo e desvinculações dos gastos obrigatórios estão em andamento, já vai acalmar todo mundo. Tem ainda a agenda do PIB potencial. Precisamos recuperar a capacidade produtiva perdida da nossa economia, que não é pouca, e aí entra tudo: a reforma trabalhista será revertida ou ficará como está? Vai ser feita uma reforma tributária? E as agências reguladoras, como vão atuar? Isso é fundamental para investimentos em concessões de infraestrutura, que estão paralisados.