Detroit troca inverno por verão para tentar revitalizar seu salão

    [Fonte: Valor Econômico]

    Antes de entrar no pavilhão de exposições, quem visita o salão do automóvel de Detroit precisa enfrentar uma fila bem típica desse evento: a da chapelaria. A menos que a pessoa não se importe em carregar agasalhos pesados pela feira, tem sido um ritual, durante anos, deixar o casaco na entrada. Custa US$ 4 por peça.

    Ao longo dos últimos 50 anos, a mais importante feira da indústria de veículos americana foi realizada na época mais gelada no Norte dos Estados Unidos. Mas, a partir do próximo ano, a fila da chapelaria vai desaparecer porque o salão será em junho, em pleno verão no Hemisfério Norte. O motivo da mudança é a profunda evolução do automóvel.

    Não faz mais sentido limitar o evento a apresentações estáticas dos carros num ambiente fechado. As principais novidades, agora, estão dentro dos veículos. Para saber se vai comprar um determinado modelo o consumidor, principalmente dos países desenvolvidos, precisa sentir como o carro funciona, como é a conectividade com outros dispositivos, como o aparelho celular, e, a mais nova atração: saber como ele se sente dentro de um veículo que roda sem motorista.

    Fixar o meio do ano como nova data é uma tentativa de se afastar da CES (Consumer Electronics Show)

    Assim, o formato tradicional dos salões do automóvel está fadado ao fracasso, uma vez que circular com os carros pelas ruas passou a ser mais importante do que avaliar desenho, motor ou cores.

    As montadoras americanas precisam do verão para atrair o visitante para atrações externas, em pistas e outros espaços, que começam a ser planejados na região onde, há mais de um século, nasceu a linha de montagem.

    Estabelecer o meio do ano como nova data é também a tentativa de distanciar o salão da CES (Consumer Electronics Show). A maior feira de eletrônica do mundo acontece anualmente em Las Vegas, uma semana antes do salão de Detroit.

    Com o avanço tecnológico, as montadoras começaram a antecipar a apresentação das novidades na CES. Em Las Vegas, as temperaturas são mais amenas nessa época. Neste ano, nos dias da feira, as médias ficaram em torno de 15 graus Celsius. Por isso, algumas empresas aproveitaram para testes de automóveis com direção autônoma ao ar livre.

    Para ter efeito, o teste com uma tecnologia como a apresentada pela Veoneer, empresa sueca de soluções eletrônicas ligada ao grupo automotivo Autoliv, precisa ser real. Na CES, a empresa mostrou um protótipo de carro autônomo, o LIV (Learning Intelligent Vehicle), que, além de fazer reconhecimento facial, pode ser dirigido pelo celular. Isso significa que o condutor pode estar em qualquer assento do veículo. Também a Ford usou o ambiente externo, em Las Vegas, para a imprensa testar o C-V2X, tecnologia que permite a comunicação entre o carros e o pedestre.

    O salão do automóvel de Detroit, por outro lado, parece ter ficado no passado. Com poucas novidades, a exposição repetiu ideias antigas de levar para os estandes os tradicionais carrões e grandes picapes americanas. A apresentação à imprensa, na segunda e terça-feira, atraiu um número de jornalistas menor do que o habitual. E, mesmo quem sabe o quanto a indústria tem investido no desenvolvimento de novos modelos elétricos, híbridos e autônomos sai da feira sem perceber muita inovação.

    Marcas coreanas e japonesas continuam presentes, num sinal de interesse em avançar no mercado americano. Por outro lado, o desgaste da exposição se revela também pela ausência de tradicionais frequentadoras. As luxuosas Mercedes-Benz, Audi e BMW mostraram novidades na CES, mas não participam do salão de Detroit.

    Na tentativa de dar um passo adiante, a Ford fez a apresentação de seus produtos à imprensa recorrendo a óculos 3D, que davam ao jornalista a sensação de estar nas ruas de Detroit.

    O último salão do inverno será aberto ao público neste sábado, quando, segundo a previsão meteorológica, pode nevar e as temperaturas oscilarão entre a máxima de 4 graus Celsius negativos e a mínima de 11 negativos. Enquanto o verão de 2020 não chega com as inovações da indústria automobilística, resta ao visitante do salão deste ano largar o casaco na chapelaria e apreciar, pelas paredes envidraçadas do pavilhão, a bela paisagem de blocos de gelo que se formam no rio que faz a fronteira entre Estados Unidos e Canadá.